quinta-feira, 29 de maio de 2014

Introdução do Neoclassicismo e Modernismo versus Tradições Culturais no Brasil

fonte: site JRRIO, 11/2013

Comentários de Lúcio Costa sobre a “brutal” introdução do Neoclassicismo no Brasil por Grandjean de Montigny, na época da criação da Academia Real de Belas Artes no tempo de D. João VI e também sobre a “repentina” introdução do modernismo purista e racionalista de Le Corbusier.

Estes dois arquitetos eram franceses, ambos com um estilo predominantemente Cartesiano e racionalista. Lúcio Costa menciona a ruptura com a liberdade encontrada na arquitetura colonial (referindo-se ao barroco e rococó), e assimilação de antigas tradições culturais como uso de azulejos, assim como a utilização de novos materiais, como granitos que anteriormente não eram utilizados. Abaixo a continuação que vem de uma entrevista do arquiteto.

LC — Os azulejos eram uma tradição. Aqueles silhares enormes nas igrejas nos séculos XVII e XVIII, em toda parte, salvo em Minas. No Norte, muito, principalmente no Maranhão, mas aí já é no século XIX. E Porto Alegre? Eu me surpeendi quando fui às Missões para restaurar e instalar aquele museu. Eu não conhecia Porto Alegre e lá havia muitas casas forrradas de azulejos, e até com muito cuidado porque encomendavam azulejos especiais, para guarnecer as pilastras, plintos e platibandas.

AR — Imitando a feição neoclássica.

LC — E, adoçando o neoclássico, porque a introdução do neoclássico no Brasil foi uma certa violência. A nossa tradição era o barroco, o rococó que estava já se esgotando. Mas a imposição do neoclássico pelo Montigny e pelos portugueses anteriores e ele, o Domingos e os outros cujos nomes eu não recordo, foi uma ruptura importada.



De modo que houve um choque, certa frieza, assim um pouco como na introdução do modernismo. Era uma coisa meio seca, sóbria demais, em contraste com aquela liberdade anterior, aqueles ornatos, aquela coisa toda. Então foram os azulejos e a cerâmica que resolveram o problema. Tornou-se moda revestir os paramentos dos edifícios — inclusive os neoclássicos — com azulejos, coroando-se as platibandas com peças de cerâmica: vasos, estatuetas e pinhões, tudo importado

De modo que verifiquei quando estive em Portugal, que o grosso da produção da fábrica Santo António, lá no Porto, destinava-se à exportação para cá. Os telhões de louça lá são raríssimos. No Porto andei procurando e encontrei apenas umas cinco casas com beiral de telha azul e branco.

Quer dizer, tudo era para exportação. Isto não só adoçou aquela frieza neoclássica como propiciou a convivência das casas de platibanda com as de beiral… Um prédio de linhas neoclássicas mas com esses revestimentos, adquiria uma certa graça e se entrosava melhor na paisagem, nas chácaras. Dessa maneira criou-se uma ambientação e uma atmosfera peculiar, valeu a pena.



AR — Isso vinha dos próprios arquitetos ou era uma solução dos donos?

LC — Foi de parte a parte. Era diferente, na época: havia uma consciência arquitetônica, uma aceitação generalisada, não era como agora. Era uma coisa mais natural, também por causa da umidade.

AR — Não precisava ficar pintando…

LC — E, a umidade escurecia as paredes. Com o revestimento de azulejos aguentavam mais tempo, aí pegou.

AR — E dá sempre aquela sensação de diminuir o calor.

LC — E o volume denso do prédio também. Tipo de solução adequada e prática e Corbusier ficou tocado com essa coisa, gostou.

AR — E quando ele esteve aqui havia muitas dessas fachadas, hoje são poucas. Na cidade uma grande parte dos sobrados eram revestidos de azulejos.

LC — Uma grande parte, acho que a maioria. Tinham uma presença mais ostensiva. Quem vem de fora é sempre mais sensível e repara. Nós não estávamos pensando nisso, aquilo era tão só um revestimento que existia aqui. E ele ja veio com outra riqueza de abordagem.

AR — Foi assim, então, que o granito e o azulejo foram se reintegrar na arquitetura moderna brasileira… É uma pena que o prédio do Ministério esteja contido no quarteirão onde se encontra.

LC — No terreno escolhido por Lê Corbusier teria ficado muito melhor. Seja como for, resultou num belo projeto que ele só viu em 1962. Quatro anos antes de morrer, ele veio para conhecer o terreno da embaixada que o governo francês ia confiar a ele. Só então conheceu o prédio. Do aeroporto fomos direto para lá.


AR — E ele falou alguma coisa?

LC — Ele ficou tocado, batendo assim com a mão nos pilotis. “C’est beau, c’est beau”. Foi engraçado…

AR — Dr. Lúcio, Grandjeand e Lê Corbusier são intervenções da mesma natureza, ambos trazem um sistema arquitetônico…

LC — Exatamente.

AR — A partir dessas intervenções que os arquitetos locais assimilaram, a nossa arquitetura se desenvolveu com grande criatividade…

LC — A intervenção passa a ser uma coisa natural, aliás isto eu citei naquele artigo do cinquentenário do Correio da Manhã: ‘ ‘A dívida foi saldada num espaço vencido de um século”.

Referências e fonte principal de pesquisa: Arquitetura Revista, de 1987

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